sexta-feira, 8 de junho de 2007

Despeitada - cotidiano trivial de uma mulher.

“Hoje é sexta-feira/dia de “bebemorar”/cair na gandaia/não ver a noite passar”. Quando ele chegar eu corto. Juro que dessa vez eu corto. E não é um desses juramentos vazios que se grita pra quem quiser ouvir. Eu corto mesmo. Posso não ter cortado antes, mas foi por pena. Por que dessa vez... Ah, dessa vez! Sexta passada ao menos passou em casa depois do trabalho. A mãe é uma santa mas ele é o maior filha da puta que eu conheço. Beijou as crianças e disse que ia comprar cigarros. CIGARROS! Ficou quase 12 horas na rua e quer que eu acredite que estava procurando cigarros! Numa sexta-feira a noite? Imbecil. Cortarei. Ai, como eu quero que ele chegue logo!

“Chega de Aluguel/Chega de Patrão/O coração no céu/ O sol no coração/Cerveja, cerveja, cerveja, cerveja/Cerveja...”. Hoje nem em casa passou. Corno de uma figa. Corna eu, diria ele. Cornos nós, responderei. O fim de semana pode ser dele, mas a partir de segunda-feira a semana é minha! Toda minha! Única e exclusivamente minha! Minha! Ouviu? Mal sabe ele que o vizinho arrasta um quarteirão por mim. Bem, na verdade sabe. Já o ameacei com isso semana passada. Eu disse a ele que não adiantava ficar saindo com as garotinhas de 20. Ele já tinha 40! Não era um jovenzinho. Era sim um “envelhescente”. Eita! Fase morfética que passam esses homens. Raça ruim. Falei que se fosse assim eu também arrumaria um amante de 20. Era puramente matemático: eu também tenho 40 e é bem sabido por todos que cabem mais vintes em quarenta do que quarentas em vinte! Ele nem ligou. Sorriu. Aquele sorriso sacana que todo cafajeste sabe sorrir. Puta que o pariu, como eu gosto daquele sorriso! Ai, como eu quero que ele chegue logo!

“Vejam só como é que é/A ingratidão de uma mulher/Ela é o meu tesouro/Nós somos feitos um pro outro/Ela é uma vaca, eu sou um touro”. Ele nunca nega. E eu sei que os homens negam. Eles tem que negar! O Boca de Ouro, aquele personagem do Nelson Rodrigues dizia: “Nega, meu filho. Nega. Se ela te pegar só de meia na cama com outra, ainda assim continue negando. Vai chegar uma hora em que mesmo ela vai ter dúvidas ao encarar sua veemência”. Outro filho da puta esse Nelson Rodrigues. Nunca entendi isso. Tem tanta mulher boa nesse mundo. Sofrida, vivida, desejada, honrada, bondosa, pura, simples, honesta... Deus! Como podem haver tantos filhos da puta? Onde se escondem essas desajustadas que parem ( no sentido de “puta que o pariu” mesmo!) esses infelizes. Mas a mãe dele é uma santa. Sempre. Eu só queria mesmo é entender por que ele não nega. Fica lá sorrindo. Depois muda de assunto. Eu tenho ódio. Não é raiva. É bem diferente. É ódio mesmo. Não é impulso. É ódio mesmo. Não é paixão passageira. É ódio. Oposto de amor. Do jeito que andam as coisas ta mais para sinônimo mesmo. Ódio!Que bosta! Ai, como eu quero que ele chegue logo!

“Esse papo de pele e química/Não tem nada a ver/Não é filme, nem novela/É só sexo, eu e você”. To com tesão. Eu sei não devia, mas eu to com tesão. Não qualquer tesão. É por ele. Quero dar pra ele, sentir o cheiro dele. Quero ter o que ele anda oferecendo àquelas menininhas sem graça. Eu sou muito mais mulher do que essas “zinhas”. Eu podia me tocar... Mas me recuso! Onde já se viu! Sou casada! Com um cafajeste ordinário filho de uma puta! Ainda assim casada! E digo mais: tem muito homem querendo me comer. Eu podia virar puta! Aí ele estava fodido. Ia dar pra todo mundo! Ah, como eu ia ser feliz! E, pelo menos, quando meu filho sacaneasse uma mulher ela poderia dizer com a boca cheia: “FILHO DE UMA PUTA”. Justíssimo. Quando ele chegar eu corto fora! Arranco aquele instrumento do mal! Depois eu como. Não quero dar brecha para reimplantes. Eu como o pinto do desgraçado, mas corna não hei de ser mais! Nunca mais! Ai, como eu quero que ele chegue logo.

“Já tive mulheres de todas as cores/De várias idades de muitos amores/Com umas até certo tempo fiquei/Pra outras apenas um pouco me dei”. Ouço barulho na cozinha. Ele está entrando pelos fundos. Hora de passar a faca. Não! Melhor não! Levo ele para a cama, tiro a roupa do miserável e depois... faca! Ele vem até mim. Sabe que estou na sala. De camisola. Olha lá aquele sorriso. Ta lá! Estampado. FILHO DE UMA PUTA. Ele me pega de jeito. O sacana é bom nisso. Fico inteira arrepiada. Ele me arrasta para a cama. Puta merda! Que língua esse lazarento tem! Não posso gozar. Não posso gozar. Não posso gozar. Não posso gozar... Vai! Fode comigo! Cortar ou não cortar? Chorar? Gritar? Perdoar? Matar? Por que ele faz isso comigo? Por que ele sempre faz isso comigo? E por que diabos eu aceito? Será que sou burra? Ah, me deixem ser burra!“Eu te amo, canalha”! Gozou ele. Gozei eu. Gozamos nós. Dormimos abraçadinhos. O rádio ficou ligado na sala.

“O terceiro me chegou/Como quem chega do nada/Ele não me trouxe nada/Também nada perguntou/Mal sei como ele se chama/Mas entendo o que ele quer/Se deitou na minha cama/E me chama de mulher”.

Rádio filho de uma puta.

Originalmente publicado no site RPGX.

Um comentário:

Raquel Vitoriano disse...

A quinta parte desta - digamos assim - reflexão acerca das mulheres....essa pobres mulheres, rs.... me fez lembrar de um outro "poema" também de sua autoria que não recordo o nome agora, acho que não tinha um nome na verdade, que versava quase que exatamente do mesmo assunto, ou então de algo bem próximo e de total relação com essa parte.
Não sei se você se recorda, mas caso queira, para poder comparar, ainda o tenho.
Da mesma forma que este, aquele traça um perfil das mulheres, o perfil off do off da mente dessas tão sofridas e sonhadoras.....mulheres. Comentário bizarro, mas pertinente..espero! Até mais!!!

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