quinta-feira, 19 de julho de 2007

Guerra Fria com uma Gata.

Ela e eu sentados na sala. Alta madrugada. Ela uma gata. Literalmente. Siamesa. Eu um rapaz entretido com a leitura de um livro. O Caçador de Pipas. Ela me olha. A porta do meu quarto está aberta. Eu no sofá. Coberto com um edredon. Meu quarto não tem trinco. Só tranca por dentro. A porta fica entreaberta sempre que não há ninguém lá dentro. Ela quer entrar. Dormir no meu colchão. Soltar pelos. Eu decido que não vou deixar. Um combate se inicia.

Ela fica na espreita. Eu deitado. leio com a ajuda de uma luminária. A luz favorece a ela. Cada movimento seu é seguido de uma reação minha. Quando ela avança para a porta eu me levanto. Ela corre para trás do sofá. Está frio. Muito frio. Isso se repete. Dezenas de vezes. Já não leio mais direito. E olha que o livro é muito bom. Pobre Hassan. Como eu pareço o Amir. Quantos Hassan já não tive em minha vida. Mas ignoro a história. Passo os olhos pelos parágrafos sem ler. Apenas fico atento aos movimentos da gata. Ela salta, eu salto. Ela relaxa e eu ainda fico tenso. Dizem que os gatos não desistem. Jurei a mim mesmo que também não desistiria. Só pode haver um!

Passam-se 40 minutos. O jogo não pára. Já atirei dois chinelos nela e armei uma barricada de almofadas na porta. Ela tenta ganhar terreno. Analisa a nova barreira, mas não se distrai. Sabe que o sapato social está em minha mão. E esse dói. Por um instante ela recua e desaparece. Não sei onde está. Percebo depois que a cortina atrás do meu sofá se moveu. Nesse momento percebo tudo. Pena que tarde demais. Ela salta e arranha a mão que segura o livro. Retaliação felina. Eu a machuco, ela me machuca. Assim é a vida. Do ataque ela vai direto para a porta. Atiro o sapato. Acerto em cheio. Ela mia. Eu esfrego a mão ferida. Quites.

Passa-se mais meia hora. Enfim ela dá sinais de cansaço. Eu estou exausto, mas não posso deixa-la vencer. Eu sou o topo da cadeia alimentar. E compro a ração dela. Eu tenho de ser forte. Eu sou o gato alpha dessa casa. Ela pára diante do sofá. Diante de mim. Eu a encaro. Meus olhos fitam seus olhos brilhantes. Ela salta. Sobre o meu colo. Começa a se aninhar. Amassa um pouco meu edredon com as garras. Deita-se e começa o processo lento e meticuloso de se limpar. Eu suspiro. Venci. Acaricio seus pelos macios. Pelos que soltam e ficam pelo edredon. Ela venceu também. Alcançamos a paz. Quase terminei meu livro noite adentro.

Um comentário:

Raquel Vitoriano disse...

"Como eu pareço o Amir...."
Que ótimo!!!! rs

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